Francisco Providencia (FP) - O seu currículo como designer está cheio de prémios internacionais de designindustrial: pode-nos fazer uma breve cronologia das distinções de que tem sido alvo?
Carlos Aguiar (CA) - Recebi por três vezes o “Prémio Design para a Industria” do Centro Português de Design em 92 e 94 (2). Em 94 recebi igualmente o “Prémio Designer” do CPD. Em 97 foi finalista do “Prémio Europeu de Design”. Em 2001 obtive o prémio “DESIGN PLUS ISH” em Frankfurt, em 2002 o “GOOD DESIGN Award” em Chicago.e o “RED DOT 2002” em Essen na Alemanha. Ainda em 2002 o Prémio Nacional de Design, Trofeu Sena da Silva e em 2005 pela segunda vez o “Good Design” nos E.U.A. Em 2006 recebi em Tóquio o “Good Design G-Mark Award” ; o “IF” em Hannover e o Award Globe Packaging 2006 em Nuremberga, na Alemanha.Estas menções são geralmente atribuídas em duas fases com uma apreciação final por um júri especializado. Diversas vezes estive nessas “finais”.: Good Design – 1987, Red Dot 2004 e por quatro vezes no IF 2002, mas gostava de destacar a presença em 2004 no “Rat Fur Formgebund” uma das mais altas distinções da área em todo o mundo facto a que apenas se tem acesso por convite directo de um júri de curadores do Ministério da Economia da República Federal Alemã.
FP - Ainda lhe falta obter alguma menção de referencia importante?
CA - Nunca obtive nestas competições uma menção no numero extremamente restrito dos “destaques”: o “Best of the Best” do Red Dot e o “Gold Award” do IF”(1), nem a nível nacional o Prémio Carreira do CPD. Como as perguntas se encaminharam para aqui, gostava de esclarecer que não “colecciono” este tipo de menções e que elas tem surgido muito simplesmente porque me parece importante que o trabalho que vamos fazendo seja reconhecido, já que muitas vezes internamente não o é. (1) Nota: Obtido posteriormente com a Garrafa Comet de 24litros
FP - O prémio Good Design dá direito a presença na colecção permanente do Museu de Chicago, não é? E na colecção António Capello, antigo Museu de Design, também está presente? O que pensa da filosofia do Museu de Design?
CA - Estes prémios costumam estar ligados a grandes exposições de design de visibilidade mundial. O IF tem mesmo um pavilhão de exposição próprio na Feira de Hannover onde figuram os laureados da edição anterior. Este espaço é um fabuloso “Forum” vivo do melhor que se pratica na área – é assim que em parte deveriam ser os museus de design. Tóquio utiliza os “G Mark” para fazer a maior exposição de design da Ásia. Em Chicago como o “Good Design” é organizado pelo Chicago Atenaeunm é aí naturalmente que os produto são expostos. Já agora, como curiosidade para quem se interessa por arquitectura, este prémio foi fundado em 1950 por. Edgar J. Kaufmann, Jr.,: filho de Edgar Kaufmann para quem Frank Loyd Wrhigt construiu a casa da cascata (Fallingwater). Nomes como Charles and Ray Eames, Eero Saarinen, Russel Wright, Florence Knoll e George Nelson entre muitos outros figuram entre os laureados.A nível nacional a selecção dos objectos que compõem a colecção Capello (a que os responsáveis chamam geralmente “peças”) não tem nada a ver com o design que eu pratico e por isso naturalmente não estou representado.
FP - Qual o grau de envolvimento das empresas com que tem colaborado, na projecção internacional do seu trabalho?
CA - Os primeiros não foram sequer divulgados. Só muito recentemente as empresas parecem despertar um pouco mais para o valor com referencias de qualidade dos produtos que estes galardões. tem em termos de percepção pública pelo mercado. Como designer julgo que o meu trabalho não tem qualquer projecção internacional.FP - Um currículo de êxitos dependerá certamente das qualidades individuais do autor, mas também da sua formação. Em que escola aprendeu a ser designer?CA - A minha formação fez-se inicialmente em Engenharia Mecânica, Arquitectura e finalmente Design. Não é um percurso excessivamente invulgar na área do design de produto. As ligações entre a Arquitectura e o Design são frequentes (ex. Itália) e a base de Engenharia é até por vezes solicitada como no País Basco, onde o Centro de Design promove pós graduações em Design Industrial para licenciados em Engenharia como forma de integração na Indústria.Esta formação não me parece no entanto fundamental nos nosso dias face a um entendimento muito mais unificado dos territórios do Design como actividade global que passa obrigatoriamente pelo estabelecimento de parcerias com outras áreas complementares de conhecimento.
FP - Como destingue o Carlos Aguiar Engenheiro do Carlos Aguiar Designer?
CA - É muito fácil. Nunca existiu um profissional Carlos Aguiar Engenheiro. Formei-me em Mecânica à 30 anos e nunca exerci. Comecei imediatamente a estudar Arquitectura, por isso o 1º curso deu-me uma base de conhecimento científico e tecnológico mas nada em termos de experiência industrial. Essa, curiosamente, veio apenas muito depois pela prática do Design.De qualquer forma para mim o importante é o papel que cada um desempenha num processo de desenvolvimento de produto: o Designer vela pelas questões de usabilidade e significado, o Engenheiro pelas de performance e produção e o Gestor pelas de viabilidade económica e rentabilidade. São “chapéus diferentes” decorrentes de sensibilidades e culturas diferentes. Eu raramente ponho o do engenheiro porque normalmente conto com alguém na equipa que sabe, nessa área, mais do que eu.
FP - Sabemos que paralelamente à sua actividade profissional, desenvolve actividade docente universitária. Quer falar-nos um pouco dessa actividade?
CA - Mal acabei de me formar em 1975 fui contratado para assistente da FEUP. Depois disso colaborei com diversas instituições no Porto, Viana e Aveiro onde sou docente da UA à 10 anos. Aqui constituiu-se um grupo de reflexão com o Francisco Providencia, O Vasco e o João Branco (recentemente falecido) que foi muito importante para construção pessoal do entendimento que hoje faço do design. O ensino é por outro lado uma extraordinária actividade para percebermos se realmente temos ou não as ideias arrumadas. Ninguém consegue explicar claramente uma coisa que não domina no seu íntimo. A constatação dos resultados positivos do nosso ensino nos alunos é ainda uma confirmação da nossa leitura da profissão.
FP - Pelo currículo verificamos que tem reflectido sobre o ensino do design ‹ função naturalmente implícita e indissolúvel da prática de designer‹, colaborando em reformas curriculares desde o ensino secundário, pós secundário e superior (universitário / politécnico). Qual é a sua visão global do ensino do design em Portugal?
CA - Evoluiu muito nos últimos 15 anos. Por um lado houve uma grande proliferação de oferta de cursos, alguns sem grande justificação ou qualificação docente. Por outro lado a oferta superior diversificou-se, passando a incluir formações de nível médio (secundário e pós secundário) epós graduado – mestrados e doutoramentos. Julgo que apesar disso pelo lado da procura existe ainda pouca informação sobre as diferenças em termos de qualidade de ensino e de empregabilidade de toda esta oferta. A nível superior temo que a necessidade de seguir modelos gerais instituídos tenha levado ao aparecimento de um certo tipo de investigação” a metro” mais preocupada em existir para cumprir mínimos, obter financiamentos ou visibilidade do que expressar reais inquietações de pesquisa.È geralmente aceite que a integração da experiência dos profissionais (que geralmente tutelam o ensino numa fase intermédia da evolução dos cursos) com a prática de uma reflexão e de uma vivência académica de investigação teórica é a única forma de atingir um patamar de excelência no ensino da disciplina.Não sei se em Portugal isto se está a fazer ou apenas a fazer de conta que se faz . Veremos os resultados a que a nossa tão peculiar maneira de ser (privilegiando muitas vezes a forma em vez da substancia) vai conduzir.
FP - A licenciatura em Design da Universidade de Aveiro tem-se posicionado nos últimos anos entre as mais procuradas do país, tendo mesmo ocupado o primeiro lugar no ano passado. A que se deverá o fenómeno de uma tão pequena escola regional conquistar a liderança contra as vantagens geográficas e históricas das suas concorrentes?
CA - Quanto a mim deve-se à singular situação de ter tido até agora um muito particular “mix” de profissionais séniores de inquestionável experiência (e continuada prática no mercado) e de académicos de formação mais teórica e mais desligados dessas realidades. Esta curiosa convivência permitiu um constante balanço entre utopia, experimentação e prática, o permanente questionamento de modelos e simultaneamente a sua implementação e teste a nível pedagógico. Devo confessar que sinto com alguma mágoa que a Universidade, como instituição, não percebeu que os bons resultados do curso decorreram em grande parte desta singularidade, e tudo indica que a venha a aniquilar, ao incentivar a adopção de um modelo exclusivamente académico para o seu corpo docente. A falta de instalações próprias, os cortes orçamentais e a política de “rescisão” dos vínculos de antigos colaboradores para contratar novos para os mesmos lugares só pode igualmente diminuir a qualidade do ensino.
FP - A actividade profissional do designer não está ainda consagrada entre as profissões reconhecidas pelo Estado Português, apesar dos 1.500 licenciados por ano. A sociedade, ao escolher a formação em Design, parece acreditar numa actividade que os políticos ainda desconhecem. O que pensa do futuro da profissão em Portugal?
CA - O futuro da profissão em Portugal é por um lado indissociável do futuro sócio económico e cultural do país e por outro lado da capacidade de os designers portugueses começarem a operar no exterior. A diáspora dos nossos designers no estrangeiro ou é insignificante ou é muito discreta, o que parece apontar para que tarda a efectiva internacionalização da actividade. Nesta área (como em quase todas as outras aliás) o mercado de trabalho tem de ser encarado a nível europeu ou mesmo global o que não parece ainda estar a acontecer entre nós.
FP - A economia tem sido tema recorrente na imprensa nacional, nem sempre pelos melhores motivos; temos sido confrontados com a necessidade urgente da recuperação económica do país que parece depender cada vez mais da capacidade em criar valor das nossas empresas, vendendo melhor os seus produtos. Curiosamente, não se ouve muito falar de design As suas prestações como designer têm contribuído para o sucesso das industrias com que colabora?
CA - Os resultados apontam nesse sentido, mas essa pergunta deveria ser feita aos clientes. Constato que nomeadamente na Cifial a evolução da estratégia de design de produto é perceptível a nível das torneiras e ferragem e muito especialmente na Louça Sanitária onde foi possível criar quase uma nova identidade para o negócio totalmente indiferenciado no tempo da antiga Aquatis.Há muitos anos referi-me a um projecto meu que vendeu muitíssimo bem como um sucesso de design e fui refutado por um administrador dizendo que não foi nada um sucesso de design mas sim um sucesso comercial.... As empresas ainda tem algum caminho a percorrer.
FP - Reportando-se à sua actual experiência, de que forma pensa possam estar articulados os interesses da indústria da Universidade e do design?
CA - A Universidade tem no ensino e na prestação de serviços à comunidade duas tarefas bem claras que devem ser articuladas com ponderação, eficácia e ética. Advogo que a participação das empresas no processo de ensino (projectos com estudantes) deve cingir-se a estudos que tenham como objectivo principal a melhoria da qualidade do ensino e a formação de futuros profissionais cada vez mais competentes. A prestação de serviços de Design pelas universidades, quer num modelo meramente de competências existentes no seu interior, quer integrados em projectos de investigação, deve ser pautado por uma ética de concorrência leal com os profissionais que já operam no mercado, de forma transparente em termos de autoria, direitos e custos.Nunca me pareceu aceitável uma empresa envolver-se com alunos para depois explorar economicamente os resultados. Este tipo de projectos é pertença de quem? da empresa, do aluno?, do professor que o orientou?, da Universidade que os alberga? Parecem-me demasiadas situações potencialmente pouco claras para seguirmos esse caminho..
FP - A sua produção criativa parece estar muito ligada ao âmbito da “arquitectura e vida² ‹ desenhando torneiras, puxadores, peças sanitárias cerâmicas, esquentadores, botijas de gás, autoclismos. Considera-se um especialista em arquitectura de banho? Ou em ambiente de vida?
CA - Infelizmente isso tem acontecido e é uma situação que não me é particularmente cara.. Decorre da simples razão de que eu acabo por me dar razoavelmente bem com os clientes (o que parece confirmar a ideia de que o design deve ser antes de mais uma parceria) e como tal estabeleço relações prolongadas de cooperação. Não entendo que haja designers de banho como não ha arquitectos de blocos de habitação. Tenho tido encomendas nestas áreas e não tenho feito esforços para as diversificar. O tempo também não dá para tudo e eu gosto de acompanhar de perto o evoluir dos projectos. Posso adiantar, no entanto, que neste momento estou envolvido igualmente em projectos na área da casa e mesa que espero em breve possam ser divulgados.
FP - Sabendo que uma parte importante dos nossos leitores são estudantes, de que livro recomendaria a leitura?
CA - Apontar apenas um poderia ser lido como uma “cartilha” e o design nunca é monolateral, por isso gostaria de referir:Universal Principles of Design de Wiliam Lidwell, Kritina Holden e Jill Butler; Rockport Publishers, 2003; Massachusetts, EUADiseño Ecológico; Joaquim Viñolas Marlet; Ed. Blume; 2005 BarcelonaE finalmente a recém publicada tradução em Português pela Editora Edgar Blucher de S. Paulo, Brasil, do livro de Bernhard Burdeck: História, Teoria e Prática do Design de Produtos
FP - Se tivesse que escolher um tema para caracterizar a formação em design, o que é que consideraria mais importante?
CA - Valores humanos
Protótipo da sinalização do Metro do Porto
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Descubra as diferenças. Qual das duas é melhor? Parece obvio...no
entanto....
Há 15 anos